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Porque escrever/contar histórias ainda é importante?

Updated: Nov 28, 2022




NOTA: Esse texto é um complemento da série: “Como escrever uma história” disponível no meu canal do YouTube - https://youtu.be/KeJc-s6jl_g



Estou sempre pensando, e recorrente em minhas divagações, eu me pergunto: será que contar histórias ainda relevante? Isso é uma reflexão estranha, vinda de um escritor, mas relevante atualmente. Atualmente, qualquer forma de arte se tornou “Conteúdo” - uma peca compacta de cultura criada para atingir o máximo de um demográfico, com um ciclo de vida de 8 segundos. Nunca se produziu tantas histórias. Por exemplo, em um ano são publicados: — ~4 milhões de Livros: — 550+ séries de televisão (novas séries e temporadas); — 742+ filmes; — 22 milhões de músicas (Tracks);

No século XXI estamos falando de um paraíso cultural personalizado, onde todo tipo possível de conteúdo e arte é produzido em massa diariamente para todo o tipo de público. O indivíduo não precisa mais se adequar a cultura — a cultura se adéqua ao indivíduo.

Contudo, o quanto de toda essa produção é culturalmente relevante? À Pergunta é polemica, já que cada um tem uma opinião sobre o que é importante ou não. Portanto, falando sobre minha obra, o que sou eu se não uma gotinha num oceano infinito de histórias? Como minhas histórias poderiam ser relevante? E, se é tudo um paraíso, por que eu me sinto tão estranho?


Desde a Revolução Cognitiva há 70.000 anos, nossa espécie tem a necessidade de criar ficções. De fato, nossa habilidade de criar e acreditar em ficção foi um fator evolutivo crítico a nossa sobrevivência. A ferramenta que transformou pequenos grupos de Homo Sapiens em enormes comunidades, tão grande que conseguimos nos amontoar e, subindo um nos outros, nós atingimos o topo da cadeia alimentar. Yeah!


Diferente de qualquer outra espécie, nós somos os únicos que conseguem co-existir em grandes bandos de desconhecidos. Qualquer outra espécia, se confrontada com um "Outsider", iria recorrer à violência. Humanos, por outro lado, se encontram em teatros, cinemas, jogos de futebol, sem a necessidade biologia de se destruir (pelo menos, na maioria das vezes…). Tudo isso é devido à crença na Ficção Coletiva.


Um indivíduo consegue frequentar e se sentir parte de uma assembleia de desconhecidos pelo simples fato da crença na Ficção Coletiva. Isso é aplicável para religião, esporte, política, ou qualquer forma de comunidade. A guerra na Ucrânia em 2022, motivada por um pequeno grupo de indivíduos que acredita na ilusão de que a nação independente da Ucrânia nunca existiu, também depende de uma Ficção Coletiva. Mesmo confrontado com fortes evidências, é muito difícil descreditar uma ilusão compartilhada por vários indivíduos. Quanto mais pessoas acreditam, mais forte é a ficção.


Nossa crença em conceitos intangíveis é a estrutura básica que mantém o Novo Mundo em equilíbrio: Governo, Nações, Economia, Religiões, Horóscopo, Paz e Liberdade, etc.


Portanto, acreditar em Ficção e histórias é necessário para nossa sobrevivência. Nossa espécie evoluiu, e assim evoluíram nossas histórias.


Antes da invenção da escrita pelos sumérios quase 5 milênios atrás, as pessoas compartilhavam histórias oralmente. Na realidade, a tradição oral foi a principal mídia até a criação da prensa no século XIV.


Literaturas antigas, como a Épica de Gilgamesh dos Mesopotâmios ou A Ilíada de Homero, eram apenas o registro da tradição oral. Como registrar uma propriedade. Em Roma, a arte de Falar em Público e a Poesia, por exemplo, eram disciplinas extremamente importantes. Devido ao alto custo e difícil acesso, toda a tradição literária do período era exclusivo aos ricos ou a igreja.



Com a invenção da prensa por Gutenberg em 1430, a tradição literária se expandiu. A partir do séc XV, temos a era dos grandes escritores que podiam então promover suas obras de forma acessível e em larga escala. A alfabetização e o acesso à informação em larga escala permitiram o movimento intelectual do Iluminismo e outros movimentos artísticos como o Classismo e o Romantismo.


A arte plástica também é uma mídia para contar histórias (não só propaganda, religiosa ou política — Vide artistas como Caravaggio ou Théodore Géricault). Porém, a história dependia da habilidade do artista e do poder de interpretação do observador. Música não ficava para trás, com temas seculares (Canções, Danças), religiosos (Cantatas, Coros), ou épicas (Óperas às Sinfonias).


A próxima grande revolução da história aconteceu com a criação da fotografia e do gramofone no final do século XVIII. A arte plástica e a música agora poderiam ser gravadas e distribuídas. Logo veio o cinema, que mudou como contamos histórias. A tradição literária ainda era importante, porém competia com outras mídias. Depois de 1910 veio o Rádio, transmitindo notícias sobre as grandes guerras, e também música e histórias (Rádio novela). Então veio a TV em 1930, distribuindo notícias sobre a guerra, filmes, e novas formas de drama. A última grande revolução aconteceu na década de 90, com a invenção da internet. No final dos anos 2000s veio a era dos streamings, e hoje vivemos na era do conteúdo.



A forma e as histórias evoluem o tempo todo, às vezes se repetindo, às vezes se reinventando. Faça sol ou chuva, destruam pontes ou cidades… Ficção sempre estará presente, nos ensinando, nos emocionando. Enquanto houver humanos, as histórias sempre estarão presente, escritas, pintadas, ou faladas. A Ficção é um fator evolutivo, tao importante para nós hoje quanto foi para nossos ancestrais 70.000 anos atrás.

Então, por que ainda me sinto estranho?


Não se ofenda, pois essa é apenas minha empírica opinião. A impressão é que quanto mais produzimos, menos focamos naquilo que mais importa nos tempos de hoje. Pense nas grandes literaturas, manuscritos politicamente relevantes e o período do qual foram escritos. Pense no Angst dos escritores que assistiram à revolução tecnológica no começo do século XVIII. Como suas obras reverberaram no seu tempo? Pense em Ficção científica, Jules Verne no século XVIII via o positivismo do progresso, o ser humano era capaz de coisas imagináveis, tudo graças a ciência. No começo do século XIX, a mesma tecnologia que fez Jules Verne sonhar sobre viajar o mundo em 80 dias, ou atingir o fundo do oceano, se voltou contra a humanidade como uma ferramenta de controle. Era a Era dos regimes: No livro 1984 de George Orwell, a tecnologia se tornou uma ferramenta de controle, enquanto na distopia de Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, nos tornamos alienados em uma civilização tecnologicamente avançada.

Por que ambas as visões do futuro foram importantes nos seus períodos? Jules Verne nos ensinou a acreditar e investir na ciência e assim ter um mundo de infinitas possibilidade. George Orwell e Aldous Huxley, ambos escritores que foram ativos durante as duas grandes guerras, nos ensinaram a questionar as autoridades que controlam essa tecnologia. Ambas as visões foram importantes em seus respectivos momentos históricos. Portanto, um bom Conteúdo deve reverberar com o Angst do seu período.

Que tal o conteúdo de hoje? Qualquer pessoa pode escrever um livro atualmente (Até eu!). Tudo é fácil. Temos computadores, corretores ortográficos com inteligência artificial, freelancers, publicadoras gratuitas, padrões, templates, softwares, blá, blá e blá. Vivemos no paraíso do Conteúdo, mas o quanto desse enorme número de publicações reverberam com o Angst do nosso período?


Não me leve a mal. Existem inúmeros excelentes autores hoje em dia, talvez até mais do que há 200 anos, que estão debatendo os problemas dos dias de hoje. Mesmo assim, com nosso estilo de vida, consumismo destrutivo, de “Feel Good” o tempo todo independente da bala vindo em sua direção, quem quer ler sobre problemas?

Empatia é a palavra-chave. Mesmo assim, que pessoa extremamente empática, dado as poucas 24 horas que temos para sobreviver o dia, sentaria para ler todos os livros possíveis sobre racismo?

Que pai de família usaria as poucas duas ou três horas disponíveis do seu dia ocupado para ler e entender os problemas que um adolescente queer vive ao passar pela puberdade?

Qual businesswomen perderia mais do que os 3 segundos de notícias do Estadão ou BBC no Instagram para ler sobre a economia da guerra na Ucrânia ou os últimos descobrimentos da ciência sobre as mudanças climáticas?

Para que serve o Entretenimento (e sim, meus amigos, contar histórias se tornou “entretenimento”, não educação) senão para nos relaxar e aliviar nosso stress?

Digamos que eu queira me informar o mais rápido possível, não é mais fácil simplesmente ler os memes que meu sábio e extremamente educado tio enviou no WhatsApp? Fizemos de tudo para aumentar a produtividade, e agora não conseguimos gerenciar a quantidade de coisas que produzimos. Entao, dependemos de empresas como Google, Meta, Netflix, Disney, e Amazon para curar tudo que somos permitidos a ouvir, assistir, ou ler. Pelo menos, essas empresas não são tendenciosas, e tem apenas o melhor dos nossos interesses em mente. Certo?

A verdade é que as pessoas vão consumir o que é vendável. Vai muita sorte ou nascer no berço certo para ter um script-hunter que vai te encontrar sua obra, mais sorte ainda se ele(a) não mudar tudo para encaixar na visão de lucro da produtora. Quantidade se tornou um indicador de sucesso, não qualidade ou relevância. Quantos mais filmes, reboots ou spinoffs do Start Wars nós precisamos?


Por outro lado, quantos escritores não estão entrando no zeitgeist graças a conservadores extremistas tentando banir os livros das escolas e bibliotecas? No fundo do mar de futilidade existe um tesouro inimaginável, e os inimigos do progresso sabem disso. Assim como os Nazistas, todo conteúdo contrário a Fake New que está na moda é queimado e sistematicamente/ desesperadamente tirado das prateleiras.

Qualquer texto, livro, série de TV, ou reportagens que são contrárias a narrativa das Fake News se tornaram resistência. Palavra e conhecimento ainda são poder. Recomendo esse vídeo do Wisecrack sobre o assunto: https://youtu.be/MYnpMx12S6Q



Portanto, vale a pena ainda contar histórias? SIM! Principalmente de assuntos que são relevantes ao nosso tempo. Isso é o que me move. Obviamente eu não sou nenhum grande escritor, mas existem duas grandes metáforas na Casa de Poeira, uma sobre lidar com a perda e outra sobre meio ambiente, dois temas relevantes do qual minha história gira em torno. Não escreva por escrever. Escreva algo que faça sentido, que reverbere. Use suas experiências, a sua dor, não como ferramenta para atingir um público alvo e vender mais cópias, mas porque é importante.


No final, tudo que importa é contar uma boa história.


Por isso resolvi escrever esse artigo (e gravar uma série no YouTube) sobre produção de histórias. Se você tem interesse nesse assunto, fica conectado.


O que você precisa para escrever uma história?

— Uma necessidade biológica de contar histórias (assim como nossos ancestrais);

— Paciência;

— Ser uma esponja e absorver todas as experiências ao seu redor;

— Disciplina (só um pouquinho);

— E principalmente ser gentil consigo mesmo


Estarei dividindo com vocês minhas experiências nos próximos posts, as ferramentas que desenvolvi para escrever a Casa de Poeira, e tudo que você precisa saber se você tem interesse em contar histórias.


Últimas palavras: Essa série será voltada para Ficção — Estarei explicando sobre formas, mídias, gêneros, como conseguir ideias e transformá-las em texto, planejamento de história (Personagens, diálogos, mundo), como começar, desenvolver e terminar uma história.

Fontes:

NOAH HARARI, YUVAL. Sapiens













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