A Casa de Poeira - 5° Capítulo
- Leo Marcorin

- Jan 19, 2023
- 22 min read

A Igreja
João
JOÃO NÃO ESTAVA IMPRESSIONADO COM A IGREJA. Afinal, ele era um bom cristão e vira todas as grandes igrejas por onde viajaram. Essa era medíocre, mal construída, como o resto da cidade. O que mais o interessou foi a gritaria. Em frente a uma mesa improvisada, uma porta sobre dois cavaletes, dois homens debatiam furiosamente, como um bando de animais violentos.
“Tchau!” - disse Feit e saiu, mas João mal o escutou, focado na disputa.
Gilberto discutia com um homem pequeno sobre os perigos de escalar a torre sem o equipamento certo. O homem, umbaixinho, parecia o Zacarias, porém, era musculoso, com mais cabelo no peito e nos braços do que na cabeça. Mas Zacarias não parecia ter um bom coração pela forma como se dirigia ao Fazendeiro.
Atrás deles, havia um Padre trajado em longas roupas pretas; era alto, orgulhoso e vaidoso, olhando para Gilberto e Zacarias com desdém. Seus olhos eram pretos, combinando com suas roupas, e João podia sentir sua presença magnética. O Padre ignorava a briga, desinteressado, andando em torno da mesa e observando a construção como quem julga a qualidade do trabalho. Por algum motivo que João não sabia explicar, o Padre parecia ignorá-lo também.
Havia três adolescentes assistindo à briga a alguns metros de distância. Eles eram idênticos uns aos outros, como se tivessem sido produzidos em uma linha de montagem, exceto pela altura do mais velho para o mais jovem.
João entediou-se com todos aqueles personagens, e logo ficou andando pela igreja, tentando ocupar a cabeça. A igreja tinha cinco metros de altura pelo menos, uma forma de cruz, com o altar no centro, mas as paredes e o teto estavam incompletos. A torre estava acima do altar, mantida por quatro grandes pilares; porém, o piso superior ainda não fora instalado. O acesso à galeria era uma escada de madeira trêmula ou andaimes amarrados ao pilar central da igreja. Tudo bem precário. Eles realmente estavam subequipados caso quisessem terminar a torre e o andar superior.
A tensão aumentara. Gilberto e Zacarias socavam a mesa para evitarem um confronto físico.
Marcos fumava um cigarro em um canto. João perguntou-se o que pensava seu irmão mais novo debaixo daquela expressão indiferente.
“Puta-que-o-pariu, seu merda!” - Zacarias gritava.
“É muito arriscado! Por que é tão difícil de entender? Não temos cintos suficientes para todos, ou guindaste para subir o material! Seu plano é impossível, Stefano! Precisamos de mais tempo e ferramentas. Padre Octaviano, precisamos de combustível para ir buscar mais andaimes em Gradina.” - Gilberto disse.
Então o baixinho se chama Stefano, não Zacarias., João pensou, olhando para o pigmeu com desprezo. Stefano não tinha inteligência para discutir, portanto, ele gritava e ofendia.
“Ocê é uma menininha mesmo, não é, Gil? Vira homi!” - Stefano gritava.
O Padre de repente falou, com uma voz baixa e penetrante, ecoando por entre o canteiro de obras. Até os pilares pareciam tremer com sua voz. Todos ficaram em silêncio - inclusive os pensamentos de João - enquanto ele falou:
“Basta! Deus está falando, e Sua vontade é clara. Essa briguinha de vocês já nos fez perder muito tempo. O objetivo era terminar a igreja até o solstício, certo? Isso é em uma semana, não é, Gilberto? Então, você não tempo para esperar pelocombustível. Deus te deu a ferramenta e a vontade, agora só cabe a você fazer funcionar.”
O Padre sacudiu a poeira das vestes e saiu da igreja, passando pelos irmãos Rodrigues como se eles não estivessem presentes.
“Ceis ouviram o homi! De volta ao trabaio.” - Stefano gritou para os adolescentes, voltando-se para os irmãos, rindo:
“O que temos aqui, Gil? Mais mariquinhas?”
“Somos irmãos.” - disse João.
“Irmãos, é?” - Stefano repetiu.
“Deixa os meninos em paz! Ocê não disse, 'volte ao trabaio'?” - Gilberto esbravejou, esfregando o suor de seu rosto com um lenço.
“Faz os maricas trabalharem no andar de cima. Eles parecem mais homi que você, Gil... até o barbudinho cabeludo ali. E que tal esse aqui, o Bonitão todo chique? Ocê tem cara de que gosta de trabalhar duro! Ocê tem coragem de subir naquela plataforma?” - Stefano provocava Marcos e João.
Marcos jogava a fumaça do seu cigarro no ar, não se importando nem um pouco com os comentários. Já João... estava “soltando fumaça pelas ventas”, querendo voar no pescoço daquele homenzinho.
“Eles não têm experiência, portanto, vão separar material.” - Gilberto disse.
Stefano riu com desprezo:
“Ah, vá! E o cabelinho ali? Ele parece saber lidar com pregos.”
“Basta, pelo amor de Deus! Duda, ensine aos irmãos o trabaio.” - Gilberto disse, e o mais velho dos três adolescentes se aproximou de João.
“Ignácio e Virgílio, cêis terminem aquela parede com o Stefano. Vou até a cidade ver se alguém tem mais andaimes ou uma escada mais decente, qualquer coisa que a gente possa usar pra melhorar um pouco nossa segurança.”
Stefano riu novamente e soltou mais alguns xingamentos antes de levar os adolescentes ao trabalho.
“Vem.” - Duda, o mais alto e provavelmente o mais velho, falou. Sua voz era rachada de insegurança e puberdade.
Uma pilha de tábuas de madeira e outros materiais de construção aguardavam no quintal. Duda explicou os muitos materiais, ecomo João e Marcos deveriam separar os parafusos e porcas, um trabalho bem idiota e sujo, de acordo com João. Logo Stefano aproximou-se, dizendo:
“Vamos tentar não nos matar hoje, certo? Irmãos Mariquinhas, separem essa lista pra mim e me tragam o mais rápido possível. O garoto vai ajudar ocêis com as tábuas pesadas. Cuidado com as mãos de mariquinhas, capisce?”
“Ok.” - Marcos respondeu friamente.
“Cuidado não quebrar sua unha, cabelinho.” - o homem zombou de Marcos e saiu. Duda ria, enquanto João se enraivecia.
Marcos começou a trabalhar como se nada tivesse acontecido. João estava incrédulo quanto à resiliência do irmão.
“Como você não tá puto?” - João perguntou.
“Por quê? A gente termina o trabalho e vai embora.” - Marcos disse.
Para João, Marcos falava grego. No fim das contas, ele estava certo. A discussão não valia a pena. Logo João começou a trabalhar, mas pouco depois, entediou-se com tamanha estupidez, e fingiu trabalhar enquanto só observava os outros trabalhadores.
“Estou entediado” - disse João.
“É porque você não está trabalhando.”
“Foda-se!” - João gritou e foi embora, levantando poeira com seus sapatos italianos. Ele decidiu ir atrás do combustível, determinado a achar Tonho e pressioná-lo por uma solução, ao invés de esperar fazendo trabalhos idiotas.
A rua estava deserta, coberta de areia. O canteiro de obras era remoto. João só podia ver algumas residências a algumas quadras de distância, tudo tão deteriorado e medíocre quanto aquela situação. Havia um prédio maior à distância, provavelmente uma escola ou uma delegacia.
Eles devem ter combustível para os carros da polícia, pelo menos., João pensou e caminhou em direção ao prédio, mas o sol oparalisou. Tudo era longe, e o calor tornava aquela andança impossível. Logo, o calor tomou conta. Por que vesti essa camisa e sapatos estúpidos? O suor rolava pelo seu pescoço, a ponto de João ficar tonto com a desidratação.
Se continuasse a vagar pelas ruas, desmaiaria sob o sol. Quando pensou em voltar para a igreja, ele ouviu um motor rugindo. Eram Tonho e seu caminhão de combustível vindo em sua direção; então, João foi para o meio da rua, e começou a chacoalhar os braços.
Que sorte, quando eu pensei que não ia conseguir mais andar, o Tonho me encontra com o combustível!
Tonho parou e pulou para fora do caminhão. O velho parecia ainda mais estranho à luz do dia: frágil, magro como um lápis, com olhos de um louco, um azul e um verde, corcunda ao caminhar.
“Salve. Cadê o Gil?” - Tonho perguntou.
“Ele foi pra cidade, procurar… algo. Eu acho.”- João disse.
“Oh, azar! Tá quente, sol de matar, né?”
“Que bom que eu te encontrei. Você já tem meu combustível?
“Não, não, não. Nem um pouquinho, vice?”
O velho estava mentindo! Suas palavras fediam tanto quanto ele próprio.
“Como você está dirigindo este caminhão grande, então? Me dê metade do que você tem e eu vou te pagar dez vezes o preço normal!”
“Não, eu não tenho quase nada. Amanhã chega mais.” - o velho mal terminou de falar e pulou de volta para o caminhão, deixando João falando sozinho.
Vai tomar no cu,! João gritou em sua mente. Bando de idiotas! Odeio este lugar; odeio essas pessoas! Como eu me perdi nessa merda de buraco? O que eu estava pensando quando aceitei essa viagem estúpida no pior momento da minha vida?, João precisava encontrar um telefone, chamar um táxi, e pedir à companhia de seguros que viessem buscar seu carro. Marcos poderia terminar a viagem sozinho.
O julgamento era o evento mais importante de toda a sua vida. Ganhar ou perder mudaria a vida de João para sempre e, ao invés de estar trabalhando em sua própria defesa, ele estava contando parafusos e porcas. Que piada. Estúpido!
João odiava Amanda naquele momento. A vaca deve estar rindo de mim!
O rapaz não parava de suar, e a tontura estava de volta. Por um momento, ele não conseguia respirar. Finalmente, sabendo que não deveria ficar mais tempo ao sol, voltou à igreja para pedir ajuda a Marcos.
Marcos ainda separava material, como uma formiga trabalhadora, com os braços e mãos cheias de óleo e areia. Ele estava sem camisa e, mais do que nunca, parecia um mendigo.
“O que aconteceu com você? Toma essa água, antes que você derreta!” - Marcos jogou uma garrafa de água a João e limpou o suor do rosto antes de retomar o trabalho. Aquela garrafa de água veio como um milagre, quando as bochechas de João estavam pegando fogo, e ele lutava contra a sede. Marcos acendeu um cigarro e João olhou-o profundamente:
“O que foi, vai criticar meu cigarro de novo?”
“Nada, só me dê a lista que você está trabalhando e me diz o que devo fazer.” - João respondeu, deixando a garrafa de água de lado.
“Você poderia parar de ser rabugento, pra começar.” - Marcos disse, friamente, o que pegou João de surpresa.
Foi a primeira vez que João ouviu Marcos dizendo algo assim, então, em vez de se sentir puto, João começou a rir.
“Está vendo aquelas caixas pequenas? Coloque essas pilhas de parafuso e porcas dentro e leve-as para dentro.”
João riu, e finalmente começou a trabalhar.
Duas horas mais tarde, Duda e Marcos conversavam sobre a vida do adolescente. O pai havia morrido no incêndio da igreja, assim como muitos outros em Esperança, e sua mãe era professora; a única professora na cidade. Não havia muitas crianças em Esperança. Cansado de falar, Duda pediu a Marcos um cigarro, alegando ser maior de idade. Fumaram juntos, aproveitando a companhia um do outro.
Antes que Duda terminasse o cigarro, um dos seus irmãos mais novos aproximou-se, gritando:
“Hora do almoço!”
Quem estava na igreja saiu para o quintal, com Gilberto, que havia voltado carregando uma grande cesta de piquenique. Apesar da fome, João tinha olhos para uma coisa apenas, uma mulher; alguém que o fizera abrir e fechar a boca como um peixe, e a temperatura de seu corpo subir para dez mil graus acima da temperatura do sol.
Quem é ela?
O mundo emudeceu na cabeça de João; tornou-se preto e branco, exceto pelas cores daquela deusa. João só conseguia ouvir os passos dela e ver o vermelho de seus lábios. Seu coração batia contrário ao ritmo daquela mulher, que se movia suavemente, como quem desliza sobre as nuvens, levitando.
Os cabelos pretos, amarrados em um rabo de cavalo. Um rosto, tão perfeitamente moldado, delicado e simétrico, coberto de sardas, como numa pintura de Monet. Seus lábios eram carnudos, numa forma perfeita de beijo, coberta por uma fina camada de batom. A pele não era pálida, mas branca, rosada, bronzeada, na medida perfeita, pelo sol. Ela usava um vestido de verão, azul-claro, até os tornozelos; ombros e braços perfeitos à mostra; seios rijos e delicados; pescoço e quadris finos, e uma cintura arredondada. Seus pés de porcelana eram presos por sandálias - milagrosamente ilesas de quaisquer resquícios de areia e poeira -, alvos, com dedos longos e delicados.
A mulher olhou para João e, por um momento, ele sentiu como se todo o ar lhe escapasse dos pulmões. Seus olhos tinham cores diferentes, azul como a água de uma piscina grega, e verde como a selva tropical, brilhando sob a luz do sol como duas joias perfeitas, safira e esmeralda.
Que perfeição! Aquela mulher só poderia ser uma deusa, talvez, Afrodite ou Calipso. João ficaria feliz em estar preso nas ilhas de Ogígia com aquela deusa. Naquele momento, esquecera-se completamente de todos os problemas.
Após medi-la dos pés à cabeça, João percebeu que o Padre também a observava. A mulher caminhou em direção a ele, cumprimentando as pessoas enquanto passava, mas não prestando muita atenção em ninguém.
Quando seus olhos encontraram os de João, o tempo parou.
“Oi.” - ela disse, com uma voz e um sorriso doces, mas continuou antes que João pudesse lembrar como responder ao comprimento.
Quando ela chegou ao Padre, João percebeu que não havia ar em seus pulmões. Finalmente, ele respirou e sentiu o som e a cor do mundo voltando. Ainda assim, o coração do pobre advogado soava como uma orquestra.
Correndo de dentro da igreja, José Feit apressou-se para o lado dela, como um guarda-costas, ou uma criança protegendo seus doces.
“Bonita, né?”
“Ela é perfeita.” - João respondeu automaticamente, sem perceber que respondia a Marcos. Seu irmão mais novo estava coberto de poeira e cheirava a suor e fumaça de cigarro. João percebeu que ele também estava imundo. Era óbvio o porquê de a mulher tê-lo praticamente ignorado.
Stefano estava perto do Padre, puxando sua barriga para dentro a fim de parecer menos 'cheinho'. A mulher simplesmente o ignorou.
Pela primeira vez, José Feit sorriu. João até então nunca vira nenhuma emoção humana naquele homem. Ele era como um soldado, frio e sem emoções, mas transformava-se em uma criança perto daquela mulher.
“Lili! Venha ver a torre.” - José disse, empurrando-a para dentro da igreja.
“Obrigado pelo cigarro, sinhô!” - Duda devolveu o meio cigarro fumado a Marcos e correu em direção a Gilberto e sua grande cesta de piquenique. Havia água e sanduíches de ovos, e todos pararam para comer.
Gilberto por fim aproximou-se de João, que comia sozinho, embaixo de um arbusto pobre, observando a mulher de canto de olho.
“Oi, campeão. Vi Tonho mais cedo, e ele disse que amanhã vem o combustível, como sempre. Talvez ele esteja certo, e amanhã vocês podem ir embora. Mas eu não apostaria nisso.“ - Gilberto disse.
“Eu sei. Como ele está dirigindo aquele caminhão grande e velho sem combustível?” - João perguntou.
“Velho? Ele me deu uma carona até aqui e eu vi que está na reserva. Desculpe-me, campeão, mas acho que ele tem tanto quanto ocê.”
Tudo era uma piada! Como um lugar chamado Esperança era tão eficiente em destruir a de João? Ele nunca tinha se sentido tão sozinho e vulnerável em sua vida e não havia nada que pudesse fazer a não ser rezar. Sua realidade, porém, era muito mais sombria. Se João falhasse em se apresentar para o início do julgamento, seria considerado fugitivo, e ele tinha apenas alguns dias até lá. Não havia muito a se fazer, senão tentar convencer aquele velho fazendeiro a ajudá-lo a encontrar alternativas. João poderia facilmente manipular aquele simplório, afinal, ele era um advogado brilhante, e normalmente as pessoas do campo, pessoas de mente simples, eram dóceis e simpáticas, ingênuas, até. Gilberto saberia de alternativas na cidade para o combustível, ou mesmo um telefone.
“Olha, Gilberto. Não sei se mencionei isso antes, mas sou advogado. As pessoas me chamam de Dr. Rodrigues, mesmo que eu não seja de fato um doutor, sabe? Tenho uma audiência muito importante, um grande caso de injustiça, você sabe... uma verdadeira farsa! Um homem inocente foi injustamente acusado, e eu sou o único que pode defendê-lo.”
Gilberto ouviu atentamente, em silêncio, e, depois de uma pausa, durante a qual João pensou que o fazendeiro era um parvo que não entendera nada, ele disse:
“Esse homem inocente é ocê, né, campeão?”
João foi pego de surpresa. Aquele fazendeiro era muito mais inteligente do que João previra e, pior, ele até falava como Paulo, o pai de João.
Mas isso não abalou João. Ah!, não! Ele era brilhante, um mestre da manipulação. Assim, rapidamente adaptou sua estratégia de herói a vítima:
“Sim. Serei franco com você, Gil. Posso chamá-lo de Gil?”
“Claro.”
A voz de João era suave como a de um gato faminto:
“Então, Gil, minha esposa quer o divórcio e o meu dinheiro. Você é um homem de negócios e sabe como é difícil acumular bens nesse mundo. Imagine se Miridiana amanhã decide te largar e, com isso, tirar tudo que você tem, tudo que você já conquistou? Ainda assim, eu sou um homem justo, então propus um bom negócio pra ela, algo que só uma pessoa louca recusaria, mas ela recusou. Agora nosso caso está indo pra audiência com uma juíza.”
“Uma juíza?” - Gilberto parecia surpreso, o que deixou João satisfeito.
“Sim, uma mulher. Você pode acreditar nisso? E tem mais: Amanda começou a espalhar mentiras sobre mim, atacando minha imagem, o que é algo fundamental pra um advogado. Devido a isso tudo, eu preciso retornar o mais rápido possível para trabalhar no meu caso.”
João sentiu que o fazendeiro caíra em sua teia. Logo logo, ele estaria lhe entregando todas as reservas de diesel da cidade. Passados alguns minuto, Gilberto não reagira, então o advogado continuou:
“Além disso, minha mãe faleceu na semana passada. Uma tragédia! Antes de morrer, ela soube das mentiras que minha ex-mulher está espalhando e, sabe, minha mãe, coitada, tinha tanto orgulho de mim. Imagina, morrer preocupada porque uma infeliz está destruindo a carreira do seu filho preferido. Eu acho que, inclusive, a dor de saber essas mentiras, acelerou sua morte.”
“Sinto muito pela sua mãe, campeão.”
“Obrigado, Gil. Desculpe incomodá-lo com meus problemas, mas não consigo parar de pensar em tudo isso. Primeiro o divórcio, agora, minha mãe. Partiu meu coração perdê-la, e ainda mais para o câncer, essa doença tão destrutiva e incontrolável. Eu queria ficar com ela o tempo todo quando ela adoeceu, mas meu trabalho e divórcio sempre me ocupavam. Mamãe até me escreveu uma carta de despedida dizendo que, apesar dos meus problemas, ela estava orgulhosa de mim. Por causa dela estamos aqui, pois tinha um humilde desejo de ter as cinzas jogadas no mar, junto a um farol do qual jogamos as cinzas do meu pai quando ele morreu, há quinze anos. Eu faço tudo pela minha mãe, por isso estou aqui, perdido no deserto.”
O velho fazendeiro não movia um músculo, olhando fixamente para a torre da igreja. João ficou impaciente novamente e, mesmo sem querer, começou a falar, mais rápido, e mais alto:
“Eu preciso de você, Gil. Preciso que me ajude a realizar o último desejo da minha mãe, deixá-la orgulhosa novamente. Por favor, me ajude a encontrar combustível ou um telefone.”
“Ah! Mas eu não sei como ajudá-lo. Ocê deveria falar com o Tonho.”
“Alguém na cidade deve ter reservas, certo? Você disse algo sobre as minas, e eu vi um prédio da polícia. Eles devem ter carros de polícia lá. Eu não preciso de muito, apenas o suficiente para chegar à próxima cidade. Eu aceito pagar o que eles quiserem, dinheiro não é problema! Tenho certeza de que algum policial na cidade aceitaria um dinheirinho por um pouco de combustível. Preciso de uns quinze litros, no máximo. Acho que é suficiente para chegar à próxima cidade, ou a qualquer lugar que tenha um sinal de celular.”
O fazendeiro olhou cansado para João, e disse:
“Você está sugerindo subornar um policial pra comprar combustível? Ocê disse ser um advogado, mas, aparentemente, não sabe que suborno é crime?”
João corou.
“Olha, campeão, eu não posso ajudar. Eu não sei que prédio ocê viu, mas não há polícia nenhuma na cidade, e toda vez que a bomba de combustível esvazia, até mesmo o trabaio na mina é interrompido. O máximo que posso fazer é perguntar se alguém na cidade tem algo guardado, mas lhe digo em antecipado que vai ser uma perda de tempo.”
“Isso é tudo que eu peço. Muito obrigado, senhor. “
“Não me agradeça ainda, filho.” - Gilberto fez uma pausa novamente, pesando suas palavras, e disse, por fim:
“Todos cometemos erros, às vezes pequenas coisas se somam em um grande pesadelo e, às vezes, até custam a vida das pessoas que mais amamos. É nossa escolha assumir a responsabilidade, mas assumindo ou não, nós sempre pagamos o preço dos nossos erros no final. Assuma responsabilidade pelos seus atos, campeão, enquanto ainda tem chance de escolher sua punição.”
Gilberto terminou seu sanduíche e ficou em pé, parando para dizer uma última coisa:
“E seu irmão, hein? Ele parece ser um bom garoto, exceto por ter aquele cabelo de mulher. Foi ele quem cuidou da sua mãe enquanto ocê trabalhava ou brigava com sua ex-esposa?”
João pensou duas vezes antes de responder, lamentando ter usado sua mãe para ganhar a simpatia do velho:
“Marcos é desempregado. Foi um acordo justo.”
“Desempregado, é? Ele disse ontem à noite que é um pro… progra… algo.”
A mente de João estava acelerada. Quando Marcos havia falado sobre ter um emprego e, o mais importante, será que era verdade? João não sabia nada da vida do irmão. Enfim, ele disse:
“Não é um trabalho de verdade, e você não deveria acreditar em tudo o que Marcos diz.”
“Então ele mentiu?”
“Eu não sei.” - João disse.
“Oocê parece não saber muito sobre seu irmão. Cêis não conversavam quando você ia visitar sua mãe doente?”
João, involuntariamente, abria e fechava a boca.
“Ocê visitou sua mãe quando ela estava doente, certo?” - Gilberto continuou; mas João sentiu como se sua língua estivesse enrolada. “Em resumo, o seu irmão, Marcos, que não tem um emprego de verdade, cuidou de sua mãe sozinho, porque ocê estava muito preocupado em pagar sua ex-esposa pelo acordo de divórcio? Sabe, eu não ligaria para nada disso se ocê não tivesse trazido todo esse assunto à tona, mas já que me permitiu ouvir, me permita, também, falar: a meu ver, campeão, ocê cavou sua própria cova. Por que não pede alguns conselhos pro seu irmão? Afinal, ele parece saber as prioridades certas. Enfim, vou perguntar na cidade do seu combustível, ok?”- Gilberto disse e saiu, deixando João sozinho, amargando as palavras escritas pela sua mãe na carta de despedida:
Tome a vida do seu irmão como sua.
João engoliu seu orgulho em silêncio.
Duas horas após o almoço, a discussão começara novamente na igreja. Marcos e João largaram tudo e correram para dentro,pensando que algo sério acontecia, porém, encontraram a mesma cena: Stefano e Gilberto brigando sobre o andar superior, enquanto o Padre assistia a tudo em silêncio.
João incomodou-se ao notar que o Padre não suava, apesar de suas roupas pretas. É um Padre ou um porco?
Marcos estava sujo e sem camisa, parecendo um profeta faminto, com seus longos cabelos, barba e olhos curiosos. Depois de um tempo, ele sussurrou:
“De novo?”
“Bando de idiotas!” - João respondeu, e olhou ao redor da igreja para ver se encontrava aquela perfeita mulher que vira duas horas antes, entretanto, apenas José Feit estava por lá.
Gilberto parecia mais agitado do que antes, e Stefano estava ganhando a discussão com seus comentários infantis. O Padre mal mediava, olhando ao redor, com seu nariz levantado. Finalmente disse, com sua voz baixa e poderosa, encerrando a discussão:
“Minha decisão é final. Vocês vão começar o andar de cima hoje.”
“Mas Padre, isso é um err…”
“Eu ouvi da primeira vez, Gilberto.” - o Padre interrompeu Gilberto e foi para o quintal, parando apenas à porta, quando viu Marcos sem camisa. Como um louco, Padre Octaviano gritou, com nojo, antes de sair. “Esta é a casa do Senhor! Tenha respeito e coloque sua camisa ao entrar!”
Marcos não se abalou, permanecendo parado.
Gilberto parecia cem anos mais velho, enquanto Stefano sorria como uma criança, perguntando quem fora corajoso osuficiente para escalar os andaimes.
“Ocê é, cabelinho? E ocê, bonitão?”
“Eu… Posso subir. Não tenho medo de nada.” - disse Duda, com uma voz insegura e irregular de adolescente. O mesmo garoto que fumara com Marcos há algumas horas. Ele queria impressionar, mas claramente não estava preparado para a tarefa.
“Olha aí, Gilberto, esse garotinho é mais homi que ocê!” - Stefano zombou.
“Parou a palhaçada, Stefano. Estou cansado do seu comportamento infantil. Esta é a casa do Senhor, e não devemos xingar ou enganar em Sua presença.” - O Padre, de repente, voltara para dentro, parando novamente à porta para reprimir Marcos:
“Por que você não colocou uma camiseta ainda?”
Marcos correu para fora.
Gilberto disse com insegurança, enquanto sua testa pingava suor e lamento:
“Eu faço, não o menino. Se algo acontecer comigo, que assim seja. O Duda pode me ajudar mandando o material para cima do andaime.”
“Está resolvido então. Comecem imediatamente!” - o Padre ordenou.
João voltou para o quintal e viu Marcos procurando pela camisa. Eles voltaram ao trabalho, mas algo incomodava João:
“Você acha que tem algo errado com a igreja? Por que será que o Padre e o Zacarias estão pressionando tanto pra terminar essa merda de igreja sem o equipamento certo?”
“Zacarias?” - Marcos perguntou.
“Aquele baixinho irritante!” - João respondeu.
“O nome dele é Stefano. Enfim, por que você diz isso?” - Marcos perguntou.
“Sei lá… tenho um pressentimento ruim. Eu lido com as piores pessoas do mundo todo dia, e dá para ver que esse Padre é o pior de todos.” - João disse.
Marcos deu de ombros e continuou trabalhando.
Devo estar nervoso com meu julgamento., João refletiu. Devo estar vendo o mal em todos os lugares. Deus, como sinto falta da minha esposa.
Mas aquela vadia te traiu! Uma voz falou na cabeça de João. Ela te abandonou e agora está tentando te mandar pra cadeia.
Sim, aquela vadia! Ela me tirou do sério com seu amante. Se ela não tivesse me abandonado, talvez eu pudesse passar mais tempo com a minha mãe antes de ela morrer.
João sabia que esses pensamentos não eram racionais, mas ele estava cansado, e antagonizar Amanda parecia a coisa certa a se fazer.
Preciso parar de desperdiçar tempo com pensamentos inúteis e achar um jeito de sair daqui hoje à noite. Mas como? Gilberto só me repreendeu e não me deu muita esperança… já sei! Talvez eu possa pedir uma carona na estrada? Ou talvez possa pedir carona para a tal de mulher grávida, na fazenda.
A mulher grávida está esperando o combustível chegar também, seu tonto. - A voz disse. Além disso, você deixaria seu precioso carro com esse mendigo de irmão que você tem? Não se lembra do que aconteceu quando ele dirigiu a caminhonete do seu pai?
Esse era outro pensamento irracional. Marcos era apenas uma criança, e até sua mãe escrevera em sua carta: “Perdoe seu irmão.”
Além disso, Marcos não precisaria dirigir o Jaguar, pois João enviaria a companhia de seguros para buscá-lo. Era um plano consistente. Marcos ficaria cuidando do carro e esperando pela seguradora, enquanto João pegaria uma carona na estrada e voltaria para casa.
Você está tão desesperado a ponto de ficar andando pela estrada, esperando uma carona? - a voz falou novamente.
Sim, estou!
Algo no rosto de João deve ter chamado a atenção de Marcos, que o interrompeu, dizendo:
“Com quem você está falando?”
“Eu? Ninguém.” - João suspirou, e Marcos acendeu outro cigarro.
“Posso fumar um?” - João perguntou, envergonhado por pedir algo ao irmão.
“Claro.”. Marcos lhe deu um cigarro e o isqueiro. Ambos tragaram lentamente, em silêncio, até que Marcos falou novamente:
“Você parece tenso.”
“É que… Enfim, é por conta do julgamento.”
“Não se preocupe. Já já vamos embora, e você resolve sua vida sem problemas.”
Essa era a oportunidade perfeita para João pedir ajuda a Marcos. Então, ele respirou profundamente e disse:
“Talvez você possa me ajudar. Sei que nós não somos tão chegados, mas saiba que você é meu irmão, e eu nunca me esqueci disso, mas minha vida é uma bagunça às vezes. Talvez, depois que tudo isso terminar, a gente podia se ver mais. Sei lá.”
“Claro.” - Marcos disse, porém, não muito convencido.
“Posso confiar em você? Marcos, dá pra parar de contar parafuso enquanto eu tô falando? Isso é importante. Meu julgamento é em nove dias, na verdade, meu indiciamento.” - João disse.
“Seu o quê?”
“É minha primeira aparição no tribunal, quando vou alegar inocência e eles vão decidir se meu caso vai pra julgamento aberto ou fechado.”
“Mas você é realmente inocente?” - Marcos perguntou.
“Isso não importa. Há muita coisa nesse caso, incluindo clientes antigos, então não é tão preto no branco assim. Ser inocente não me ajuda muito.” - João fez uma pausa dramática e disse: “Marcos, estou em perigo.”
“Em perigo?!”
“Tem muita coisa em jogo. Posso perder minha licença e até ir para a cadeia, então minha única chance é cooperar com a polícia para pegar outros criminosos, pessoas que eu já representei e consegui inocentar. Tem um político em particular que, se descobrir que estou sendo processado, pode ligar A com B e mandar me matar!” - João disse.
“Caralho, João, você trabalha com criminosos?”
“Esse não é o ponto mais importante!”
“Não é? Você acabou de dizer que está em perigo por causa disso. Então não é apenas um divórcio. Afinal, você não iria para a cadeia nem perderia sua licença por isso. O que você fez?” - Marcos perguntou.
João ponderou as palavras antes de responder:
“Não é só o divórcio. Eu agredi o advogado da Amanda pensando que eles eram amantes.”
“Você agrediu outro advogado? Como assim, agrediu? Verbalmente?” - Marcos perguntou.
“Eu soquei o cara.”
“Você socou o…”
“Ei, isso não é importante, ok? A questão é que preciso da sua ajuda. Preciso que cuide do meu Jaguar enquanto procuro uma carona. Assim que eu achar um telefone, eu mando o seguro vir te pegar.”
“E quê?”
“Isso é mais importante, irmãozinho. Mamãe com certeza concordaria c…”
“O quê?” - a voz de Marcos ficou mais alta.
Todos no quintal pararam para assistir à discussão.
João ficou nervoso com a exposição:
“Minha vida está em risco! Imagino que a vida do seu irmão seja mais importante do que ajudar esse bando de… - João sussurrou - “Caipiras. Estou falando da minha vida, minha reputação!”
“O quê?” - Marcos repetiu.
João estava perdendo o controle de novo. Por que era tão difícil para ele, um advogado tão eloquente, convencer as pessoas a lhe ajudarem?
“Sinto muito, mas eu preciso da sua ajuda. O que você quer de mim? Sei que cometi muitos erros. É isso que você quer ouvir? Não entende? Nós somos parecidos! Você também já fez muita merda, certo?”
“Deixa eu ver se eu entendi. Eu deveria te ajudar porque eu também já fiz merda?” - Marcos jogou o resto do cigarro dentro de uma caixa vazia, levantando fumaça e sujeira.
“Sei que não tenho o direito de pedir…” - João disse.
“Você está certo, você não tem o direito!” - Marcos concordou.
“Sei, eu sei. Mas é minha vida em risco aqui. Estou tão desesperado que vou andar centenas de quilômetros no sol quente até achar alguém pra te buscar. Estou fazendo a parte difícil aqui. De nada! Você só precisa ficar por aqui… sei lá, separando parafuso, deitado na rede. Se quiser, você pode até dirigir meu carro, ok? Você sempre está pedindo, então se o combustível chegar primeiro, você não precisa nem esperar o seguro. O que você diz?”
“Foda-se essa sua merda de carro! Como você tem coragem de me pedir essas coisas? Todos esses anos, eu cuidei da sua mãe sozinho, pagando as contas médicas sozinho, enquanto você desperdiçava sua vida. Como sua merda de vida é problema meu? Como é o problema da mãe, que só queria ter as cinzas com o pai? Foi a única coisa que ela te pediu, e quando o negócio ficainconveniente, você foge? Que merda é essa?”
João gaguejou.
“Sim, continue gaguejando. Você não tem nada pra falar mesmo.”
“Marcos, se você teve algum problema financeiro devido à mamãe, eu posso te pagar de volta! É esse o problema?” - João disse.
“Você pensa que eu trabalho para você? Você pensa que pode balançar sua carteira, e tudo fica bem? Eu não preciso de você. Nunca precisei de você. As contas dela estão pagas, tudo está pago com lágrimas e sangue, e pra ela eu não devo mais nada. Você pensa que se eu dirigir aquela merda de carro você vai pagar a sua dívida com ela? Você quer que eu lave também, troque o cheirinho de pinho? Cara, você só pode estar brincando. Como você vai pagar a sua dívida com a sua mãe, João, agora que ela está morta? Seu egoísta filho da puta!”
João queria revidar, mas seus nervos e língua não obedeciam à sua vontade. Marcos, por outro lado, atirava como uma metralhadora:
“O que foi mais importante do que ficar com sua mãe enquanto ela morria? Diga por que foi tão difícil te achar mesmo com esse seu celular chique? Você sabia que ela pediu por você diariamente, e só parou quando começou a delirar, porque, na cabeça dela, você estava lá com ela? Então me diga, seu egoísta, onde você estava?”
Marcos nunca entenderia o que se passava na cabeça de João, então não havia razão para continuar discutindo. Portanto, João suspirou e disse:
“Vou embora hoje à noite. Você cuida do meu carro ou não? Se você quiser, eu te pago.”
“Você vai pagar, é?” - Marcos perguntou, sarcasticamente.
“Sim! Qualquer coisa. Estou falando sério. Dá para ver, pela sua roupa, que você está precisando, então estou, na verdade, lhe fazendo um favor!”
Marcos olhou para baixo com os punhos fechados, respirando profundamente. A discussão estava prestes a tornar-se física.
Passados alguns segundos, Marcos relaxou o punho e disse friamente:
“Espero que você morra na cadeia!”
“O que você…”
Crack, crack.
Gritos.
O som de algo se quebrando soava alto.
Outro barulho veio de dentro da igreja. Algo estava se quebrando.
“O que…?” - Marcos murmurou, olhando em volta.
As pessoas escapavam para fora da igreja, gritando.
Primeiro veio o Padre, depois, Stefano.
Então Feit.
E, finalmente, o caos.
João congelou. Ele estava a poucos metros da porta dos fundos quando aconteceu, portanto, pode ver tudo. O pilar central dobrado e rachado.
A torre desabava, todos os pilares que seguravam o teto se quebraram, e a igreja sagrada, lentamente, ruía.
Meu Deus!
Mais gritos.
Ainda havia pessoas gritando lá dentro. As peças metálicas e os parafusos do andaime se dobraram, ricocheteando, como o choro de um animal machucado. Mesmo assim, com tudo à beira do colapso, o teto se mantivera firme, graças ao andaime que segurava todo o peso.
Tudo aconteceu em menos de dez segundos.
A poeira subia enquanto o andaime cedia.
João assistiu, horrorizado, ao colapso, tossindo a nuvem de poeira que saturava o ar.
De repente, o teto da igreja e o andaime se encontraram, e tudo se estabilizou por um momento.
O silêncio era mais assustador do que o som do desabamento.
A tensão era palpável.
O ar era um cobertor de areia que cobria todos os olhos.
João estava paralisado, irracionalmente pensando que, caso ele se movesse, a igreja voltaria a desabar.
Subitamente, alguém gritou dos escombros:
“Socorro! Alguém ajude!”
“Ainda há pessoas lá dentro?” - Marcos gritou e correu em direção à igreja, movendo os escombros do caminho.
A poeira estava se assentando, e João, paralisado, assistia ao irmão e José Feit cavando os escombros para salvar quem ainda estivesse preso. O escombro era especialmente alto acima do andaime, de onde vinha o grito. Provavelmente, a estrutura criara um espaço seguro abaixo, porém, era muito difícil alcançá-lo com todo o lixo ao redor.
O andaime era a única sustentação dos escombros.
Mais som de metal dobrando.
Como um grito agonizante, a plataforma colapsou.
Ninguém mais gritou depois disso.
Silêncio e poeira. Desta vez, mais densos e duradouros.
Minutos se arrastaram feito horas. Todo estavam em silêncio e João mal conseguia ver o rosto das pessoas na poeira.
Quando a poeira abaixou, João viu o recente cemitério que antes foi a construção da igreja.
“Quem ainda está nos escombros?” - Marcos gritou depois da longa pausa.
“Gilberto e Duda?” - alguém disse.
“Oh Deus, salve-nos a todos!” - o Padre gritava, desesperado, orando com a cabeça abaixada.
Marcos lutava contra o estrondo, tossindo, limpando os destroços do caminho. Os adolescentes e José Feit começaram a ajudar, mas João ainda não conseguia se mover, aterrorizado.
O que diabos acabou de acontecer?
Finalmente, compreendendo o que se passara, um pensamento cruzou-lhe a cabeça:
O Gilberto está lá dentro ainda! Meu Deus, quem vai me ajudar com o combustível?
João sentiu-se tonto. Tudo girava. Tentando evitar um desmaio, João olhou ao redor, procurando por algo em que seus olhos pudessem se fixar. À frente, ele viu o Padre, horrorizado. Mas logo atrás dele, João viu algo que fez seu sangue esfriar: Stefano sorria e, atrás dele, havia uma estranha sombra que lhe tocava o ombro.







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