Gêneros - Parte 2
- Leo Marcorin

- Dec 28, 2022
- 10 min read

E aí,
Essa é a segunda parte sobre Gêneros.
Se você perdeu a primeira parte, acesse o link: https://www.leomarcorin.com/post/g%C3%AAneros-parte-1
Gêneros são contêineres com limitações físicas. Todo Gênero possui regras, estilos, e tropes que o escritor deve considerar ao escrever (ou se rebelar contra).
Aqui falaremos das caixas mais importantes em Ficção, suas regras, e exemplos de histórias bem escritas.
Nós já discutimos Ação, Aventura, Comédia, Drama e Tragédia. Nessa segunda parte falaremos sobre Distopia, Terror, Sagas Mágicas, Ficção Científica (Sci-Fi) e Suspense.
Então, bora continuar!
Distopia (Política)
Distopia é o oposto de Utopia (Ou não?)
Enquanto Utopia é o mundo perfeito, onde todo o cidadão é feliz e justiça é a norma. Distopia é o oposto: um mundo horrível cheio de pessoas ruins controlando todos os aspectos da sua vida, onde o indivíduo comum não tem nenhuma chance contra o sistema.
Utopia, do grego (sim, os gregos de novo…) “Ilha Imaginária”, é um lugar que não pode existir. Distopia tem a mesma etimologia, com o prefixo Dis, que significa “ruim”, portanto, é o “lugar ruim que não pode existir”.

Ambos os conceitos foram particularmente interessantes depois do Iluminismo, quando Religião perdeu o sentido e o Niilismo se tornou popular. Muitos revolucionários tentaram imaginar um mundo perfeito, como Adam Smith (Capitalismo), Karl Marx (Socialismo), os Puritanos ingleses no século XVII (Nacionalismo), Prodhon (Anarquismo)… Todos tentaram responder em seu período (Político e ambiental) o que um mundo perfeito (Utopia) poderia ser.
O problema nessa história é que nada é perfeito — Perfeito não existe. Algo perfeito para alguém (normalmente um pequeno grupo privilegiado) é um pesadelo para a maioria das outras pessoas. Esse é o espírito da Distopia.
Um aspecto importante de qualquer Distopia é que sempre haverá uma boa desculpa para criar um Estado de Exceção, sempre relacionado a uma Crise. Essa Crise irá forçar uma autoridade extrema ao poder, desbalanceio e mudando a sociedade para sua pior forma possível. Normalmente a história se inicia já com o protagonista inserido nesse mundo (não necessariamente acompanhando a crise desde o começo).
A palavra-chave aqui é “Extremismo”.

Esse gênero apareceu durante o século XIX como resposta aos “profetas da Utopia”. Em 1924 Yevgeny Zamyatin escreveu “Nós”, se tornando o pioneiro em Distopia. Não demorou muito para aparecerem outros textos, como Admirável Mundo novo, de Aldous Huxley, e 1984 e a Revolução dos Bixos, de George Orwell, ambos durante o período das duas Grandes Guerras. Esses livros foram a resposta a toda a merda que estava acontecendo na Europa, desde o cego e cruel Capitalismo “Feel Good” até os dois lados do Fascismo (Esquerda com o Comunismo, e Direita com o Nazismo). O fim da guera não reduziu a popularidade da Distopia, sendo um grande gênero principalmente atualmente, em nossos tempos incertos: O Conto da Aia de Margaret Atwood, Jogos Vorazes de Suzanne Collins, entre outros. Outro livro bem famoso é a Viagem de Gulliver de Jonathan Swift que explora inúmeras formas diferentes de Distopia no mesmo livro.

O tema comum desses livros/filmes é pegar a ideia de “mundo perfeito” para um pequeno grupo, colocar em esteroides, e imaginar como seria para o resto das pessoas:
Admirável Mundo Novo: Capitalismo, Tecnologia e Civilização (Não baseado em uma Crise, mas em uma Utopia);
1984: Comunismo e Fascismo (Crise: Guerra Nuclear);
Jogos Vorazes: Desigualdade Social (Crise: Escassez de recursos);
O Conto da Aia: Cristianismo (Crise: Infertilidade);
Filhos da Esperança: Capitalismo, Fascismo e Imigração (Crise: Infertilidade)
Em particular, no Conto da Aia de Margaret Atwood, a escritora utilizou situações reais como elementos de narrativa, dizendo que tudo que acontece no livro aconteceu em algum momento ou lugar na História (é Ficção, só que não…). Portanto, Distopias tem origem na realidade, levando situações mundanas ao extremo, onde um indivíduo, preso aquela realidade cruel, tenta de todas as formas quebrar as correntes.
Para quem tem domínio em inglês, eu recomendo o TedEd sobre Distopias:
Em resumo, para escrever uma Distopia, você deve saber o “que” é o mundo perfeito para alguns, depois o “como” transformar o mundo de hoje naquela Utopia, e finalmente entender “quem” realmente pagará a conta. Por exemplo:
O que: O Mundo Perfeito seria Vegano;
O Como: Criaremos a “Polícia da Carne”. Toda pessoa pega matando ou consumindo animais (ou produtos com base animal) seria preso. Caso a prisão por si só não é suficiente, a Polícia iria executar alguns dissidentes para dar exemplo.
Quem paga a conta: Pessoas que não conseguem pagar por produtos veganos morreriam de fome, já que não existe área suficiente para plantar toda proteína necessária para a população.
NOTA: Isso é apenas um exemplo. Eu não sou contra Veganismo e sinceramente acho que o mundo seria melhor se todo mundo comesse menos carne. Peguei justamente esse exemplo para mostrar que mesmo algo bom, para alguns, seria o pesadelo para outros. Tudo levado ao extremo é Distopia.
Terror (Fantasmas/Espíritos, Gótico, Ocultismo & Sobrenatural) & Suspense (Crimes, Mistérios & Detetive, Noir, Psicológico)
Estarei agrupando Terror e Suspense porque eles basicamente tem o mesmo objetivo: te tirar da zona de conforto. Horror te surpreende usando medos. Suspense te surpreende usando mistérios. Em Terror, o escritor deve se perguntar: “O que deixa as pessoas desconfortáveis?”. Assim como em Comédia, esse gênero é bem particular, já que nem todo mundo teme a mesma coisa, por exemplo:
Algumas pessoas odeiam Aranhas, outras pensam ser um bichinho bonitinho;
Algumas pessoas temem Espíritos, enquanto outras dizem que se comunicam e aprendem com eles (Religião);
Algumas pessoas temem ser assassinadas, outras sentem prazer em matar (Assassinos em série).
O que é Terror para você pode ser divertido para outros, portanto CONHEÇA SEU PÚBLICO! Por isso, assim como em Comédia, Terror é cheio de sub-gênero (Slasher, Sobrenatural, Fantasma, Animais Nojentos, Gore, Body, Torture Porn…).

Em Suspense, saímos do fantástico e trazemos o público para uma situação mais real (Mistério, Crimes), fazendo o leitor se pergunta: “Imagina se fosse comigo!” Assistir Terror e Suspense me faz pensar naquela música Vicarious do Tool: "I need to watch things die From a good safe distance Vicariously, I live while the whole world dies You all feel the same so Why can't we just admit it?" Essa música crítica o ser humano e meio que ataca meu trabalho, mas é verdade: gostamos de assistir coisas horríveis acontecendo com outras pessoas, motivo do qual esse gênero é tao popular.
Assim como Ação e Aventura, Terror e Suspense são conectados. Você precisa de suspense em momentos de tensão e mistério em Terror, assim como cenas horripilantes para fazer um suspense reverberar. Os Tropes abaixo podem ser usados em ambos os gêneros:
Alguém bem humano como herói (Não tao forte, corajoso, ou especial). Ter alguém como eu ou você, trará o leitor para dentro da história (Empatia);
O herói vive dois problemas em paralelo: O Horror/Mistério e uma Crise Pessoal (Pobreza, Relacionamento, Isolamento, Religião, problemas sociais…);
Personagens secundários (que podem morrer a qualquer momento da história, assim como o herói). Eu sempre recomendo evitar esterótipos e criar personagens tridimensionais, deixando sua história sempre realista. Você também pode usar esterótipos e personagens comuns do gênero (o/a Machao, o/a Engraçadinho/a para diminuir a tensão, a Virgem ou Última sobrevivente, etc.);
Nota: Esses Tropes são sempre esperados já que fazem parte do Gênero. Para deixar sua história interessante, faça o leitor acreditar que esses tropes estão sendo usados, e subverta-os em algum ponto da história. Abaixo tenho minha lista de Leitura: Livros: Calafrio (Henry James), A Maldição da Mansão Hill (Shirley Jackson), Entre os Corredores Obscuros (Mark Danielewski), O Drácula (Bram Stoker), Ghost Stories (Peter Straub), Sherlock Homes (Arthur Conan Doyle), Frankenstein (Mary Shelley), Série Millenium (Stieg Larsson), Stephen King, RL Stein, Agatha Cristie, Gillian Flynn... Filmes e Séríes: Slashers do Wes Craven e outros (Sexta Feira 13, Freddie Krueger, Halloween, Panico...), O Silencio dos Inocentes, O Segredo da Cabana, Hereditário, Midsommer, A Bruxa, Babadook, O Colecionador de Ossos, A Maldição da Mansão Hill, Dark (Meio Sci-Fi, mas bele...) Música: Tool, Iron Maiden (De novo)... Em resumo, Terror e Suspense são similares, mas com diferentes focos. Terror foca em medo, Suspense em Mistério. Lembre-se dos Tropes e CONHEÇA SEU PÚBLICO!
Sagas Mágicas: Contos de Fadas, Folclore, Lendas, Metafísica, Mitologia, Fantasia, Realismo Magico, Visionário;
Posso ser um voraz jogador de RPG, mas meu conhecimento sobre Sagas Mágicas é bem limitada. É o tipo de Gênero que gosto, mas não tenho muito interesse, sabe? Li Tolkien, George R.R. Martin, e J.K. Rowling quando crianca, assim como ouvi muito Angra e Symphony X, mas não escreveria para além de uma Quest de RPG.

Sagas Mágicas são grandes aventuras com elementos mágicos do qual o protagonista segue normalmente os moldes da Jornada do Herói. O mais interessante desse gênero é a construção de mundo, que pode ser tão rico e maravilhoso quanto o escritor quiser.
Diferente de todos os Gêneros até então apresentados, Sagas Mágicas demandam MUITO planejamento antes de iniciar a história, não só da trama, mas principalmente do mundo e dos personagens. Mesmo começando num vilarejo escurinho no meio do nada, assim que seu herói começar a jornada, sem um mundo rico em detalhes e sub-tramas, sua história vai empacar. E não venha colocar a desculpa no “Writer's block”!
Essa dependência em um grande desenvolvimento de mundo acaba sendo o problema desse Gênero. Quando se investe muito tempo em mundo, e pouco em trama, sua história e heróis serão fracos. Quem se lembra quem é o Merry e o Pippin?
Preciso falar abertamente, então me perdoe se eu lhe ofender: Saga Mágica, para mim, é tudo igual. Sempre tem um heroizinho, que por um motivo mal explicado é o escolhido e um tutor sensacional que guiará esse zé-ninguém para glória. E o pior, nunca haverá risco algum, pois o Herói sempre perseverá no final por um motivo muito simples: o Bem sempre vence o Mal. (Sim, John Snow, estou falando de você!).
Toda Saga Mágica é Preta e Branca, até as bem escritas. Os Lannisters são incestuosos e más pessoas, então eles merecem morrer. Os Starks são lindos e leais, então eles merecem ganhar. Essa dicotomia é sempre presente nesse Gênero, o Bem contra o Mal, Preto e Branco… No Senhor dos Anéis, Cancões de Gelo e Fogo, Acacia, Harry Potter, O Witcher, a Bíblia, e qualquer outro texto religioso. Mesmo personagens interessantes (Anti-heróis) que parecem ser corrompidos em algum momento da história, sempre escolhem a Luz no final.

O problema com o Bem sempre vence no final é a Recompensa. Mesmo que parece, o Herói nunca esta realmente em perigo. Ele pode perder um pai pela espada de um Lennister, ou o irmão e a madrasta num Casamento Vermelho, e mesmo se alguém o matar, ele ressuscitará porque ele é do Bem. O final pode ser amargo, mas o Herói sempre tem sua recompensa, enquanto os leitores são deixados com aquele sentimento de “De novo?” ou “Só isso?”. Outro problema com essa Dicotomia é a “Super-simplificação”. Ninguém é realmente Preto ou Branco, somos todos a soma de boas e más intenções. Ninguém é perfeito e nunca será, pois perfeição não existe (Mesmo argumento da Distopia). Portanto, esse Gênero nos faz acreditar que tudo no mundo tem 2 lados do qual você só pode escolher 1. Esse é, por exemplo, a raiz de todo o conflito que já existiu, tão forte em nossa política atualmente. Lembre-se de quão poderoso é ficção (Veja meu artigo de introdução da série). Okay, parei de reclamar! Enfim, Sagas Mágicas são caracterizadas por um universo Dicotômico, rico em detalhes, do qual o Herói, sob assistência de um ótimo mentor, perseverá contra todos os desafios e será vitorioso no final.
Ficção Científica (Sci-Fi)
Assim como Sagas Mágicas, Ficções Científicas são uma forma de Aventura. Você ainda pode ter a Jornada do Herói, porém sempre há algo mais profundo e sinistro: o Medo. Por isso funciona tao bem com Distopias.

Nenhuma outra série demonstra melhor o Gênero do que Black Mirror. A forma episódica é perfeita para explorar diferentes tramas de Sci-Fi, sempre começando com uma pergunta simples: “E se…”
E se… Pudessmos clonar o DNA de espécies extintas?
Em Jurrassic Park, temos uma fábula do que pode acontecer quando se usa bio-engineering com o simples objetivo de ganho monetário, não pensando nas implicações do uso daquela tecnologia. Estou falando do livro de Michael Chrichton, não daquele filme pelo diretor mais racista e engrandecido do cinema, Steven Spielberg.
No livro, não só a ilha Jurássica foi condenada, mas uma porcão da Costa Rica, já que inúmeras criaturas escaparam e começaram a caçar os locais (Principalmente crianças). A moral é que Dinheiro e Ciência não consegue controlar a natureza, e que humanos egoístas só fazem cagada.
E se… pudéssemos trazer os mortos de volta a vida?
Em Frankenstein, Mary Shelley nos alerta sobre as consequências de se brincar com a morte, desafiando a natureza. Quem garante que o que estou trazendo de volta é 100% humano? Se pudéssemos reviver um familiar, será que ele(a) seria consciente? Será que seria leal? Não temendo mais a morte, seria a humanidade mais ou menos ética?
O tema comum aqui é “Fábula”. Sci-fi sempre perguntara o “E se…” e tentará entender as implicações. É o típico “Cuidado com o que você deseja!” Para escrever, o escritor deve imaginar um mundo de tecnologias e se perguntar o como o ser humano, cheio de falhas, lidaria com esse mundo. Por isso, Sci-Fi se dá tão bem com Distopias (Como Viajante do Tempo de H G Wells e Filhos da Esperança de P. D. James), política (Como Duna de Frank Herbert) ou Terror (Como Alien de Ridley Scott).
AVISO: O Viajante do Tempo de HG Wells é meio racista. Não amadurceu muito bem... Em resumo, se pergunte “E se…”, pense nas implicações, e crie uma fábula. Tecnologia irá evoluir até os limites da nossa imaginação, então sempre vale a pena se perguntar o como essa evolução irá acontecer na mão de pessoas insensíveis com apenas o próprio ganho em mente. Misture com Distopias, Política, Terror, e outros Gêneros para criar uma obra de arte!
Concluindo, misture gêneros para deixar sua história interessante e subverta expectativas, surpreendendo seu público. Não há limites para escritas. O mais importante é sempre lembrar, independente do Gênero, de CONHECER SEU PÚBLICO! E isso é tudo. Veja abaixo um resumo dos Gêneros: Ação = Velocidade, poucas palavras, vários cortes de cena. Questão: Como fazer a audiência se sentir no meio da ação? Aventura = Jornada do Herói. Comédia = 3 etapas: exposição, expectativa, inesperado. Drama = Baseado em realidade, empatia “Imagine se fosse você!”. Distopia = Uma crise aconteceu, forcando um estado de exceção (Extremo). O que é o Mundo Perfeito, como chegar lá, e quem paga a conta? Terror/ Suspense = Faca o leitor sair da zona de conforto, use mistérios (conscientemente, não do tipo “O mordomo que matou…”) Sagas Mágicas = Dicotomia, rica construção de mundo e ciclo do Herói. Sci-Fi = Uma fábula de uma situação “E se…” que inicialmente parece uma boa ideia, mas termina ruim. Obviamente, focado em tecnologias. Tragédia = Mitológico, extraordinário e Lições de moral. E é isso aí! Até o próximo artigo, onde falaremos sobre a “Ideia”, de onde ela vem e como transformá-la numa grande história.







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