A Casa de Poeira - 4° Capítulo
- Leo Marcorin
- Jan 19, 2023
- 3 min read

A Menina
Marcos
A GAROTA OBVIAMENTE NÃO ERA SAMANTA, pois a irmã mais nova de Marcos estava morta. Mas ela era,dolorosamente, parecida. Por um momento, Marcos sentiu como se seu coração pesasse uma tonelada. A garotinha correu feliz em direção a eles, seguida por seu Cão, sacudindo suas tranças, alheia aos sentimentos de Marcos.
José e João se viraram.
“José!” - A garota gritou.
“Porra, Cá. Volte já pra casa!” - José ordenou.
“Mas mamãe diz que posso ir hoje.”
Marcos lembrou-se de que Gilberto falara sobre sua filha na noite anterior. Cá era uma versão em miniatura de sua mãe, Miridiana, com cabelos vermelho-cereja, olhos azuis profundos e pele pálida. Ela usava um vestido branco de fazendeira. Exceto pelos cabelos vermelhos, era idêntica a Samanta.
Maldito mecanismo de aceitação. - Marcos pensou, amargamente.
“Sua filha?” - perguntou João.
“Gil.”- respondeu José.
Os dois homens continuaram andando, ignorando Marcos e a garota. Cá olhou para Marcos com uma estranha curiosidade:
“Seu cabelo é engraçado.” - ela disse.
Marcos riu:
“Oi, meu nome é Marcos. Então, você que é a Cá?”
“Sim, esse é o nome que minha mãe me deu, e esta é Cool. Ela é a minha cadelinha. Uma donzela como eu, exceto quando faz coisas de cadelinha. Mamãe odeia coisas de cadelinha.” - Cá apontava para o Cão Negro.
Marcos pensou que aquela besta podia muito bem ser uma cadelinha, mas jamais fina como a garotinha. A besta era uma máquina de matar.
“Cool? É um nome engraçado para um cachorro como… ela.” - Marcos comentou.
“É o nome que lhe deram.” - Cá emendou.
“É por acaso um apelido de algum nome como Collier ou Comadre?”
A menina riu:
“É… Algo assim.”
O Cão aparentava ser mais amigável perto de Cá.
Depois de algumas caminhadas, eles alcançaram o caminho bifurcado da noite anterior, mas desta vez, a placa “Fazenda dos Touros” estava anexada ao poste.
“Ei, José? Quem consertou a placa?” - Marcos perguntou.
“Feit. Cêis devem me chamar de Feit. Às vezes essa merda cai e nós colocamos de volta.”
“O que tem à esquerda?” - Marcos perguntou.
“Uma nascente.” - José respondeu secamente, encerrando o assunto.
Cá tentou parecer inteligente:
“Papai me disse ser a fonte da vida.”
Aquele estranho José Feit era um cara bem difícil. Marcos decidira, portanto, parar de tentar fazer amizade.
“Ei, estou falando c’ocê!” - Cá interrompeu os pensamentos de Marcos.
“Me desculpe, o que você disse?” - Marcos perguntou.
“Seu cabelo é engraçado.” - A menina repetiu.
“É meu rock style!” - Marcos brincou.
“O quê?” - A menina perguntou, confusa.
“Rock, sabe? Os velhos chamam de 'paulera'.”
Eles chegaram ao pavimento, de volta à cidade de Esperança, e viraram à esquerda. Marcos olhou ao redor e viu um cemitério.
Vish., ele pensou.
“Cabelo de paulera? Tipo um galho ou um cipó?” - A garota perguntou.
“Não. Estou falando do estilo de música. Rock'n' Roll, sabe? Como o ZZ Top, The Doors e outras estrelas do rock.”
O Cão latiu em resposta, um som que gelou a espinha de Marcos.
Cachorro esquisito. Por que a chamam de Cool?
A garota parecia intrigada:
“Estrelas do Rock?”
“Sim. Sou músico, e eu costumava tocar guitarra em uma banda.”
“Então, ocê é uma estrela do Rock?” - Cá perguntou, inocentemente, enquanto João ria com desprezo, alguns metros à frente.
Cara chato., Marcos pensou.
“É… Algo assim.” - Marcos disse.
Quando Cá viu o canteiro de obras a duas quadras de distância, ela suspirou.
Marcos também.
O esqueleto de madeira era um marco entre os pobres arbustos do deserto, como a carcaça de um animal gigante. O sol refletia sobre os pilares e feixes de madeira branca. Não havia paredes, apenas postes estruturais e uma única torre, semipronta, ao meio. Alta como um chifre, coberta por um painel de madeira de acabamento delicado. Não havia sino, mas a estrutura estava pronta para recebê-lo. No topo da torre, havia uma cruz enferrujada adornada com um galo. O teto estava coberto por tábuas de madeira, protegendo os trabalhadores do sol.
“Até que é legal.” - disse Marcos, impressionado.
“Uau! Parece maior que a Casa da Poeira!” - Cá disse.
“O quê?” - Marcos perguntou, curioso.
“Hora de sumir, Cá.” - Feit grunhiu, impacientemente, adentrando a igreja com João. Mas a menina não saiu imediatamente, pois ela ainda admirava o esqueleto da igreja.
“Foi legal te conhecer, Cá. Você é bem legal pra uma garotinha.” - Marcos brincou.
“E ocê é bem legal pra um velho barbado.” - Cá respondeu, mostrando a língua.
O Cão latiu novamente, como quem dizia: “Você não é nada legal, sai daqui, seu humano idiota.”
Cachorro esquisito.
Um pouco antes de a garota ir, Marcos perguntou:
“De onde vem seu nome, Cá? Eu tinha uma irmã da sua idade, Samanta. Nós a chamávamos 'Sá'. Qual é o seu nome inteiro? Camila ou Camile?”
“É… Algo assim.” - Cá respondeu e correu de volta para a estrada, seguida do seu estranho Cão.
Cachorro esquisito.
Comments