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A Casa de Poeira - 4° Capítulo



A Menina


Marcos


A GAROTA OBVIAMENTE NÃO ERA SAMANTA, pois a irmã mais nova de Marcos estava morta. Mas ela era,dolorosamente, parecida. Por um momento, Marcos sentiu como se seu coração pesasse uma tonelada. A garotinha correu feliz em direção a eles, seguida por seu Cão, sacudindo suas tranças, alheia aos sentimentos de Marcos.

José e João se viraram.

“José!” - A garota gritou.

“Porra, Cá. Volte já pra casa!” - José ordenou.

“Mas mamãe diz que posso ir hoje.”

Marcos lembrou-se de que Gilberto falara sobre sua filha na noite anterior. Cá era uma versão em miniatura de sua mãe, Miridiana, com cabelos vermelho-cereja, olhos azuis profundos e pele pálida. Ela usava um vestido branco de fazendeira. Exceto pelos cabelos vermelhos, era idêntica a Samanta.

Maldito mecanismo de aceitação. - Marcos pensou, amargamente.

“Sua filha?” - perguntou João.

“Gil.”- respondeu José.

Os dois homens continuaram andando, ignorando Marcos e a garota. Cá olhou para Marcos com uma estranha curiosidade:

“Seu cabelo é engraçado.” - ela disse.

Marcos riu:

“Oi, meu nome é Marcos. Então, você que é a Cá?”

“Sim, esse é o nome que minha mãe me deu, e esta é Cool. Ela é a minha cadelinha. Uma donzela como eu, exceto quando faz coisas de cadelinha. Mamãe odeia coisas de cadelinha.” - Cá apontava para o Cão Negro.

Marcos pensou que aquela besta podia muito bem ser uma cadelinha, mas jamais fina como a garotinha. A besta era uma máquina de matar.

“Cool? É um nome engraçado para um cachorro como… ela.” - Marcos comentou.

“É o nome que lhe deram.” - Cá emendou.

“É por acaso um apelido de algum nome como Collier ou Comadre?”

A menina riu:

“É… Algo assim.”

O Cão aparentava ser mais amigável perto de Cá.

Depois de algumas caminhadas, eles alcançaram o caminho bifurcado da noite anterior, mas desta vez, a placa “Fazenda dos Touros” estava anexada ao poste.

“Ei, José? Quem consertou a placa?” - Marcos perguntou.

“Feit. Cêis devem me chamar de Feit. Às vezes essa merda cai e nós colocamos de volta.”

“O que tem à esquerda?” - Marcos perguntou.

“Uma nascente.” - José respondeu secamente, encerrando o assunto.

Cá tentou parecer inteligente:

“Papai me disse ser a fonte da vida.”

Aquele estranho José Feit era um cara bem difícil. Marcos decidira, portanto, parar de tentar fazer amizade.

“Ei, estou falando c’ocê!” - Cá interrompeu os pensamentos de Marcos.

“Me desculpe, o que você disse?” - Marcos perguntou.

“Seu cabelo é engraçado.” - A menina repetiu.

“É meu rock style!” - Marcos brincou.

“O quê?” - A menina perguntou, confusa.

“Rock, sabe? Os velhos chamam de 'paulera'.”

Eles chegaram ao pavimento, de volta à cidade de Esperança, e viraram à esquerda. Marcos olhou ao redor e viu um cemitério.

Vish., ele pensou.

“Cabelo de paulera? Tipo um galho ou um cipó?” - A garota perguntou.

“Não. Estou falando do estilo de música. Rock'n' Roll, sabe? Como o ZZ Top, The Doors e outras estrelas do rock.”

O Cão latiu em resposta, um som que gelou a espinha de Marcos.

Cachorro esquisito. Por que a chamam de Cool?

A garota parecia intrigada:

“Estrelas do Rock?”

“Sim. Sou músico, e eu costumava tocar guitarra em uma banda.”

“Então, ocê é uma estrela do Rock?” - Cá perguntou, inocentemente, enquanto João ria com desprezo, alguns metros à frente.

Cara chato., Marcos pensou.

“É… Algo assim.” - Marcos disse.

Quando Cá viu o canteiro de obras a duas quadras de distância, ela suspirou.

Marcos também.

O esqueleto de madeira era um marco entre os pobres arbustos do deserto, como a carcaça de um animal gigante. O sol refletia sobre os pilares e feixes de madeira branca. Não havia paredes, apenas postes estruturais e uma única torre, semipronta, ao meio. Alta como um chifre, coberta por um painel de madeira de acabamento delicado. Não havia sino, mas a estrutura estava pronta para recebê-lo. No topo da torre, havia uma cruz enferrujada adornada com um galo. O teto estava coberto por tábuas de madeira, protegendo os trabalhadores do sol.

“Até que é legal.” - disse Marcos, impressionado.

“Uau! Parece maior que a Casa da Poeira!” - Cá disse.

“O quê?” - Marcos perguntou, curioso.

“Hora de sumir, Cá.” - Feit grunhiu, impacientemente, adentrando a igreja com João. Mas a menina não saiu imediatamente, pois ela ainda admirava o esqueleto da igreja.

“Foi legal te conhecer, Cá. Você é bem legal pra uma garotinha.” - Marcos brincou.

“E ocê é bem legal pra um velho barbado.” - Cá respondeu, mostrando a língua.

O Cão latiu novamente, como quem dizia: “Você não é nada legal, sai daqui, seu humano idiota.”

Cachorro esquisito.

Um pouco antes de a garota ir, Marcos perguntou:

“De onde vem seu nome, Cá? Eu tinha uma irmã da sua idade, Samanta. Nós a chamávamos 'Sá'. Qual é o seu nome inteiro? Camila ou Camile?”

“É… Algo assim.” - Cá respondeu e correu de volta para a estrada, seguida do seu estranho Cão.

Cachorro esquisito.

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